Experiência do Usuário
Experiência do usuário como área de atuação do jornalista
Provavelmente soa estranho para um jornalista falar em experiência do usuário. Mesmo a linguagem do digital, tão corriqueira em nosso dia a dia, ainda é novidade em algumas faculdades. Que dirá então esse termo, que parece mais vir do marketing que do jornalismo. Mas a não identificação dessas práticas como parte da profissão é comum nessas reportagens. É que pouco se fala sobre a presença de jornalistas em áreas que vão além da produção de conteúdo, mas elas estão aí. A experiência do usuário é uma delas. Aqui a apresentamos como uma das áreas ligadas a tecnologia em que o jornalista MTP pode atuar.
Primeiro, vamos a uma definição. Segundo Flavia Menani, jornalista e cientista de dados que já atuou com arquitetura da informação no UOL — nome dado à área de experiência do usuário na época —, existem várias descrições para o termo, que pode ser abreviado como UX (User Experience). Em resumo se refere a pensar na estrutura visual e de navegação de uma página para que ela atenda às demandas de quem a acessa. É uma necessidade de qualquer site tratar desse campo, mas é também do jornalismo. Lá, ter profissionais com formação em jornalismo faz toda a diferença.
Flávia conta que começou a aprender sobre a área de UX na prática. Como jornalista e leitora, ela acessava as páginas do UOL — e de outros portais — e observava o que poderia ser melhorado. “Eu já gostava muito de palpitar, como usuária primeiro. Porque eram sites de jornalismo. Eu ficava lendo aquilo, via algumas questões e mandava mensagens para lá”, diz. Assim ela descobriu a existência da área, e foi estudar sobre o assunto.
Depois de um primeiro trabalho, veio o convite do UOL para que integrasse a área de arquitetura da informação. Ela atuou com conteúdos interativos como a apuração das eleições de 2012 e 2014, projetos ligados às Olimpiadas e placares ao vivo da Copa do Mundo, como ainda é feito pelo UOL até hoje. O que têm em comum são serem projetos de forte apelo visual, que fogem ao formato das reportagens tradicionais em texto. Daí a importância de uma boa experiência do usuário, que leva esses aspectos em consideração.
Placar ao vivo da Copa do Mundo 2022 no UOL, na partida entre Bélgica e Marrocos
Flávia conta quais eram as funções que desempenhava. “Eu tinha que desenhar a página e ver como ela se comportaria em cada tipo de dispositivo — era a época em que a navegação de celular estava começando a ganhar espaço — eu tinha que fazer desenho para as duas, por meio de protótipos”, diz. Além disso, ela conta que sua função era trabalhar tanto para o usuário final quanto para os jornalistas da redação, que preenchiam a plataforma montada por ela com os dados.
Trabalho semelhante é desenvolvido por Gabriel Gianordoli, editor de Graphics e Multimedia no New York Times. Mas suas atribuições são bem mais amplas. Apesar da graduação em Design Gráfico, Gabriel se considera jornalista em sua profissão. Por se tratar de uma área que exige conhecimentos que vão além dos tradicionais no jornalismo, a área de UX ainda é pouco ocupada por jornalistas de formação no Brasil.
No vídeo, Gabriel explica como foi o processo de desenvolvimento da experiência do usuário na matéria Hidden in a Fire Sland House, the SoundTrack of Love and Loss. O texto conta a história de fitas achadas em uma casa de praia, deixadas pelos antigos moradores, com clássicos da transição da música Disco para a House Music moderna. Ao scrollar pela página, é possível ouvir os sons das soundtracks produzidas pelos DJs, e acumuladas de 1979 a 1999.
Tecnologia em UX
Para pensar na experiência do usuário nas páginas, Flávia conta que trabalhava em conjunto com jornalistas da redação e desenvolvedores. “Eu montava uma interface também para que o jornalista preenchesse os dados, mas eu não programava.” A parte de programar a página ficava por conta dos desenvolvedores. “Os programadores — que são desenvolvedores de front-end — faziam aquilo virar realidade. Eles botavam no ar de acordo com as regras que a gente documentava e com o desenho que estava layoutado, e que era validado em conjunto. Era um trabalho em equipe”, diz.
Gabriel dá um passo além, e desenvolve também a parte de programação do site. Ele explica o uso de três das principais linguagens de programação que tem esse fim — HTML, CSS e JavaScript — com uma analogia simples. “HTML é o corpo de uma pessoa, CSS é a roupa que coloca e JavaScript são as ações”, diz. E complementa: “Tudo que se vê, o estilo foi definido em CSS, e qualquer coisa interativa — mesmo que não seja visto como interativo, como um vídeo que está tocando sem precisar clicar em nada, algo que acontece enquanto se explora, qualquer coisa que muda na página —, vem de JavaScript”. Seguindo essa lógica, na matéria explicada por Gabriel em vídeo, as imagens estáticas e escolhas gráficas são construídas por meio de CSS, e os sons reproduzidos com JavaScript.
Apesar de não usar a programação na prática em seu trabalho com UX, Flávia diz que o entendimento de como essas linguagens funcionam foi essencial para a comunicação com os desenvolvedores. Esse tipo de conhecimento em tecnologia, assim como o de Gabriel, é uma das características do jornalista MTP, analisado por aqui.
Apesar de considerar ter feito uma transição de carreira do jornalismo para a experiência do usuário, Flávia reconhece as vantagens de sua formação como jornalista, e conta também que havia outros profissionais com a mesma formação na área. Ela diz: “Como eu tinha a visão de usuária e de jornalista eu olhava as vezes o site e falava: ‘mas por que isso é dessa forma e não de outra?’ E acho que o interesse também é uma questão. É você saber olhar além do conteúdo que você está produzindo, olhar o todo, olhar como funciona um menu, como funciona a navegação, se o usuário vai conseguir chegar onde ele quer.” Por essa razão, a área de UX em sites jornalísticos pode ser entendida como uma possibilidade de atuação do jornalista hoje.